Ideias
A tarde acaba de
adormecer
E uma noite está por
vir
Deixo de lado meus utensílios...
Supérfluos
E me concentro apenas
nelas,
Elas que acabam de
surgir, semeando a noite que está por nascer
São minhas idéias que
assim como a escuridão tomam conta do céu
Elas tomam a mim
São muitas que se
atropelam,
Pisam uma nas outras,
brigam por um lugar...
...em papéis que
junto a elas surgiram
Marina Brum
São desses momentos e dessas
idéias que meu trabalho artístico surgiu...
O meu fazer artístico e
minha produção atual gira em torno de trabalhar a linguagem poética de forma a
trazer e ressignificar momentos e lembranças. A poesia está presente em minhas
gravuras, desenhos e em tudo que faço.
Costumo dizer, que quando não der pra tirar poesia daquilo que vivo, do
meu dia, é por que algo está “pegando”.
No entanto ao
trabalhar a poesia ,isso se dá de forma fragmentada ocultando de certa maneira
alguns detalhes deste todo. Aproximo assim da linguagem atual e da realidade em
que vivemos hoje, onde temos na maior parte do tempo contato com informações
visuais ou não, fragmentadas e repentinas.
Porém sempre tento
devolver a esse mundo um pouco da poesia que podemos retirar de cada dia, sem
que sejamos engolidos o tempo todo por um acumulo de momentos passageiros, que
nada restam em nossa memória depois. Gosto de salientar que o fragmento é sim
parte de um todo e sendo assim ele é por si só sua essência.
Portanto meus
trabalhos procuram muitas vezes refletir a ideia de momento, refletir sobre os
meus, os seus e os nossos. De que formas o vêem, de que forma isso nos toca e
como nós guardamos pra momentos posteriores.
É inevitável falar de fragmentos e não falar
dos tantos eu que existem em nós, fragmentos nossos que nos tornam mais de um
pra nós mesmos, e contribuem pra nosso crescimento pessoal.
É nesse momento que
acredito que Fernando Pessoa e seus “eus” tenham influenciado meu trabalho, uma
vez que ao falar sobre esses “eus” que existem dentro de nós Fernando coloca: “
antes de sermos interior somos exterior / por isso somos exterior
essencialmente”[i],
e pra mim isso se dá , essa construção
dos vários “eus “ que em nós existem , através dos momentos que vivemos , e do
que deles tiramos para nós.
O conteúdo de minhas
fragmentações como coloquei anteriormente registram momentos, na maioria das
vezes pessoais, em outros, momentos rotineiros da vida comum a todos. Estes
resgatam em minha memória sua impressão, e me remetem novamente aquele
instante.
Pretende também
mesmo que de forma fragmentada tocar o observador e sugerir uma reflexão a
cerca de assuntos diversos. O fragmento, a palavra em si, proporciona essa
abertura e nos indaga a pensar.
“O fragmento é feito
para ser decodificado em sua literalidade, ele esta aí , é tudo, como um objeto
e não em termos de formulação subjetiva ele é que como qualquer objeto,
indecifrável, permanece inesgotável para o pensamento...”[ii]
A palavra como eu disse antes, também nos
proporciona essa abertura a reflexão, um bom exemplo disso é o trabalho do
artista cearense Leonilson. Ao trazer a
palavra para seus trabalhos, seja escrita ou bordada, ele nos mostrou todo um universo,
que apesar de ser primeiramente pessoal, onde coloca seus desejos e suas
angustias trabalha também o eu e nos
toca de maneira a pensar os nossos desejos.
O que me encanta no trabalho de Leonilson é
maneira simples e íntima com que ele trabalha a palavra, despreocupado com
regras gramaticais, que ao lermos é como se escutássemos a poesia em nossos
ouvidos. Quando escrevo meus momentos, escrevo assim, como se eu repetisse ao
pé do ouvido pra mim mesmo aquele instante que quero eternizar.
Enquanto muitos
passam nessa vida somando momentos , porém pouco dele guardam , eu procuro tirar a essência e a
poesia de todos esses momentos, isso me satisfaz e me proporciona outros tantos
momentos não melhores ou piores do que os primeiros mas únicos. Se através do meu trabalho artístico eu
conseguir proporcionar um momento único desses a quem o contempla, já me sinto
realizada.
[ii]
SCHLEGEL, Friedrich. O Dialeto dos
Fragmentos. São Paulo: Iluminuras, 1997, p.82
Marina Brum, 2007.